Como um dos principais blocos afro de Salvador, muda perspectivas de vida através de projetos sociais
Em 44 anos anos de história o bloco afro Malê Debalê, criado em 1979, fruto de uma
mobilização entre familiares, amigos e vizinhos em Itapuã, ainda cultiva uma relação de
proximidade e retroalimentação com a comunidade local. O lugar onde está inserido,
próximo ao Abaeté, foi marcado pela sua existência, seja através do centro cultural, sede do bloco, ou pelo Colégio Municipal Malê Debalê, fundado em 2006 em parceria com a Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Esporte e Lazer (Secult).
Para quem é de Itapuã, acessar o Malê não é difícil. Se é alguém de fora, pode ir perguntando nas ruas e fica claro que o bloco já faz parte do cotidiano e imaginário da região. O grupo afro que utiliza do Carnaval como espaço de afirmação e legitimação também participa de ações sociais.
A estilista e empreendedora Marcela Santos, a Deusa Chic, é uma das pessoas formadas pelo bloco. Mãe aos 16 anos e de baixa renda, Marcela entrou em depressão durante a gestação. Em entrevista a DémodÉ, Deusa conta que tudo mudou a partir de uma oficina de costura ofertada em 2015. “Eu sou muito conhecida pela ligação que eu tenho com o Malê, e eu não consigo mais sair, sabe? Foi ali que eu escutei que eu sou uma pessoa negra, que eu sou uma mulher, que posso sim, ter uma profissão“, explica.
Na oficina, além do básico de costura, Deusa aprendeu a customizar bolsas e acessórios e a partir deste contato com a Moda Afro, Marcela nunca mais saiu do ramo e até hoje participa dos eventos do bloco como uma das principais parceiras para a produção dos figurinos de Carnaval.
"A gente corre atrás"
Com grande avanço a partir da segunda metade de 2010, a Moda Afro foi influenciada pelos blocos afro de Salvador. Essa vertente da moda étnica é marcada pela incorporação de elementos da estética africana e afrobrasileira, como turbantes, tecido laise bordado, estampas e cores vibrantes, na vestimenta diária. Marcela foi uma das empreendedoras baianas que encontrou neste mercado, uma possibilidade de unir identificação e fonte de renda.
“Eu acho que o movimento se dá às descobertas de empoderamento. Quando a gente
começa a se descobrir de uma forma, de história, de costumes, quando vê que a
gente pode ser quem é”, afirma a dona do Ateliê Deusa Chic.
“Acho que os blocos afros são responsáveis pelo que aconteceu de 2010 para cá. Então, quando a gente se descobre, e eu digo pela minha história, eu nunca mais vou parar de ser a Marcela, Deusa Chic, e falar de moda afro, sustentabilidade e do que o bloco afro faz na vida de um ser da periferia e comunidade. Porque eu nunca mais vou parar de querer esse conhecimento, de beber dessa fonte”.
A oficina que mudou a vida de Marcela é apenas um dos projetos feitos pelo bloco.
Em quatro décadas de trabalho, o Malê já ofereceu diversas oficinas de dança, percussão,
customização e os famosos concursos de beleza afro. No entanto, Adelma Cristina, diretora
executiva do bloco, conta que muitas vezes não é possível manter a consistência entre os projetos do grupo. “O problema é o dinheiro. Essas oficinas foram fruto de parcerias, sem elas, a gente corre atrás”, ressalta.
Atualmente, o Malê se sustenta a partir de parcerias com empresas e grupos financeiros, doações e o pequeno quadro de funcionários é mantido a partir da parceria com a Secult, por meio do Colégio Municipal Malê Debalê. Segundo Adelma, o bloco principal, conhecido dentro do bloco como “Malêzão”, consegue a maior parte das parcerias por conta de seu maior alcance de público. No entanto, iniciativas mais significativas socialmente, como as oficinas e as aulas da ala infantil do bloco, o “Malezinho”, acabam se tornando totalmente dependentes de doações ou incentivos financiados pelos próprios integrantes do bloco.
Resgate e construção
Entre as tradições mais famosas, a jóia de Itapuã se consagra no imaginário baiano através
do concurso “Rei e Rainha do Malê”, que ocorre anualmente, onde é escolhido o par de
destaque do “Maior Balé Afro do Mundo”, título concedido ao Malê pelo jornal The New York Times. Foi a partir desse concurso e também o de Deusa do Ébano, do Ilê Aiyê, que o estilista Jean Nogueira, teve seu primeiro contato com os blocos afro. “Foi aí que
meu trabalho cresceu nessa coisa da estética negra, da moda afro, e outras pessoas me
enxergam como referência nesse espaço.”
Ele explica que esses eventos possuem grande significado na representação e no
fortalecimento da identidade do povo preto. “Tanto o malê, quanto o Ilê fazem concurso para o rei e a rainha anualmente. Então, eu vim me jogando para que eu possa me enxergar
também nesse processo de construção identitária, de autoestima. É muito importante para
mim quando eu crio algo e vejo a pessoa usando e se sentindo como um rei ou uma
rainha.”
Assim como Deusa Chic, Jean teve o seu laço com o bloco fortificado a partir de um dos seus projetos sociais, quando foi convidado para ser professor de uma oficina de estética afro em 2014. “Foi daí que surgiu também um convite para trabalhar como estilista do bloco criando algumas fantasias para as alas, figurino para o rei, para rainha do bloco e fazendo parte de verdade”, conta.
Porém, Jean salienta a falta de investimentos e patrocínios para dar continuidade aos projetos sociais. “Esse último projeto do mundo afro, que foram oficinas artísticas e voltado ao empreendedorismo, na minha visão, seria todos os anos”.
As dificuldades apontadas pelo estilista são vivências coletivas experienciadas por diversos empreendedores negros.“Eu acredito que faltam políticas públicas que dê visibilidade aos empreendedores negros. Até porque eu já tentei participar do Afro Fashion Day e não consegui. Era um campo muito fechado. ”
Apesar das crises enfrentadas, Marcela afirma que a influência da moda afro não deve
parar por aí. “Esse movimento veio pra ficar, eu acredito que o empoderamento se deu
e se dá, por conhecimento, pela internet também. Quantas influenciadoras pretas nós
temos? Essa coisa dos blocos afro saírem, abrirem seus braços para a comunidade, dar
cursos. Eu falo que o bloco afro e o Terreiro de Candomblé são iguais, porque você
aprende da hora que você entra, desce e roda aquilo ali dentro, respirando aprendizado”.
Tanto Jean quanto Deusa Chic são exemplos de como o bloco entende a sua existência não só como celebração ao povo preto, mas também como uma construção coletiva que busca impactar e elevar a sua comunidade. É no Malê Debalê que encontramos um modo de existir ancestral e revolucionário a partir do movimento de resgate e construção da identidade do povo negro.
Essa matéria foi escrita por Madu Pinto e Luiza Raposo, ambas do curso de Jonalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e repórteres para a DémodÉ
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