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Met Gala exibe autoestima negra e acentua linha tênue entre homenagem e apropriação

Atualizado: 11 de mai.

Maior evento de moda trouxe como tema o dandismo africano, como uma resignificação da diáspora, mas ascende debates sobre racismo e decolonialidade


Atriz e cantora Teyana Taylor apresentou transmissão ao vivo do Met Gala | Foto: Reprodução/Instagram
Atriz e cantora Teyana Taylor apresentou transmissão ao vivo do Met Gala | Foto: Reprodução/Instagram

Desde quando foi anunciado o tema do Met Gala 2025, o jornalista que escreve este artigo, caro leitor, se questionou como os diversos artistas e celebridades brancos, escolhidos a dedo por Anna Wintour, poderiam homenagear o dandismo através de suas vestes sem beirar a apropriação. Contudo, antes de discutirmos sobre este ponto, vamos nos ater a profundidade e nuances que implicam o tema deste ano do maior evento de moda do mundo.


Com sua primeira realização em 1948, o Met Gala, além de ser um palco de desfile para looks exuberantes e extravagantes, continua com o mesmo propósito: arrecadar fundos para o Metropolitan Museum of Art. Ao longo dos anos, a sociedade americana emergiu em pautas sociais e raciais, e o Met Gala também precisou se adaptar e construir um pensamento crítico de uma sociedade, formada com base no racismo, no patriarcado, entre outras mazelas e preconceitos que persistem até hoje.


Neste ano o dandismo foi o ponto central da homenagem, com o nome Superfine: Tailoring Black Style, que gerou uma exposição de costumes de alfaiataria considerados masculinos, já que a moda se aproxima cada vez mais do agênero. A exposição está em cartaz entre os dias 10 de maio a 26 de outubro, inspirada no livro Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity, escrito em 2009 pela professora Monica L. Miller.


O intuito é mostrar a importância da alfaiataria na construção de identidades negras e o significado da figura do dândi no centro da diáspora africana. Em suma, os dândi são considerados homens que têm uma preocupação exacerbada com a aparência e isso é refletido diretamente em suas vestes, através da alfaiataria glamourosa, entre outros aspectos envoltos na indumentária.


É importante refletir que o dandismo é um movimento, não apenas de vestimenta, mas social que eleva a autoestima de pessoas negras, no entanto, ainda reforça uma característica de aceitação e ascensão social, já que apesar de se vestir impecavelmente, os dândis não pertenciam à nobreza.


Primeiros dândis surgiram por volta do século XVIII | Foto: Reprodução
Primeiros dândis surgiram por volta do século XVIII | Foto: Reprodução

Por volta do século XVIII, eram chamados dândis, homens europeus brancos que se vestiam de forma elegante e sofisticada, que por sua vez, em determinados períodos e cidades, adornavam os escravizados homens, também de maneira semelhante esteticamente e os ensinavam a terem modos europeizados, como uma forma de mostrar status social. Não era diferente no Brasil, já que as chamadas “sinhás” faziam o mesmo com as mucamas.


Inclusive, muitas ex-escravizadas, quando conseguiam a alforria e construíam algum comércio, compravam um par de sapatos, como uma demonstração de ascensão social, assim como se adornavam de joias de ouro, chamadas hoje, de joias de crioula. Em Salvador, há uma exposição de joias de crioula no museu Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória.


Ainda sobre o dandismo, os homens negros se apropriaram da estética, para criar, de forma autêntica, sua própria identidade. Ao passo que era uma semelhança, também era dessemelhante da burguesia, pois os dândis negros traziam consigo, não apenas o mero ato de vestir, mas a nobreza intelectual e o ativismo negro, mesmo que muitas vezes silencioso.


De acordo com a professora e doutora em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Angelica Oliveira Adverse, no artigo “Dandismo, notas sobre distinção e dessemelhança”, o dandismo preza pela ruptura da igualização social. É como uma tentativa de emergir um princípio unitário com o objetivo de enfatizar a diversidade, criando uma comunidade, como se fosse uma família, não sanguínea, mas de irmãos de cor, assim como a amizade entre convidados negros para o Met Gala, entre outras festividades e eventos, estes voltados especificamente para o público negro, como é o caso do Afropunk.


Hojem existem especifícos de celebração da cultura negra como o Afropunk | Foto: Reprodução/Pinterest
Hojem existem especifícos de celebração da cultura negra como o Afropunk | Foto: Reprodução/Pinterest

A partir também dos seus códigos de diferenciação e decolonialidade, como técnicas gestuais ao pegar a bengala, o uso de adornos específicos, como luvas, laços ou monóculos, é possível captar as diferenças relacionadas aos dândis negros e a maneira de expressar sua identidade. Daí vem as diversas referências cruzadas no tapete, que agora é azul.


Contudo, aqui com uma alfaiataria repaginada, ousada e com inserções de acessórios diferentes, como pede a exuberância do evento. A exemplo da cantora e atriz Teyana Taylor, que trouxe a bengala para a cena, além do chapéu, também visto em outros looks, uma marca dos dândi. Além de uma dureg de seda, marca registrada de diversos rapers negros, assim como mega acessórios, principalmente broches.


Com anúncio de gravidez e o esposo, o rapper A$AP Rocky, como um dos anfitriões do Met Gala 2025, Rihanna, uma das convidadas mais esperadas da noite, vem com um costume de alfaiataria desconstruído, com uma saia em listras de giz, que na cintura na região de trás imita as mangas de um terno, mas aqui amarradas, além de um terno cropped, mega chapéu e gravata.



Rihanna anunciou gravidez durante Met Gala 2025 | Foto: Reprodução/Instagram
Rihanna anunciou gravidez durante Met Gala 2025 | Foto: Reprodução/Instagram

Como não falar da logomania e charuto de Doechi? Também tiveram laços e mini gravatas pregadas em vestido, além de outras referências, que foram trazidas de forma divergente do convencional. No entanto, esperava que muitos artistas, principalmente negros, trouxessem estilistas negros para o tapete, mesmo que não fossem tão conhecidos.


Doechi trouxe logomania da Louis Vuitton para o tapete, assim como técnicas gestuais, com o uso do charuto | Foto: Reprodução/Instagram
Doechi trouxe logomania da Louis Vuitton para o tapete, assim como técnicas gestuais, com o uso do charuto | Foto: Reprodução/Instagram

Em uma breve pesquisa, é possível notar que a maioria dos convidados elegeram grifes como Marc Jacobs, Louis Vuitton, entre outras. Uma das poucas que se difere é a Balmain, de Olivier Rousteing. Entretanto, não sejamos ingênuos, é claro, que no maior evento de moda, existem patrocínios, exibição de grifes francesas, italianas, etc. Além de ser uma forma de prospecção maior ainda de imagem para os artistas.


Em analogia ainda ao tema, o dandismo, traz para o centro uma reflexão voltada para a aceitação social de pessoas negras a partir de sua imagem, e mais especificamente, pelo que estas pessoas vestem. Desde a adolescência, era aconselhado pelo meu pai a não sair de casa sem carteira de identidade, porque era muito mais provável que um jovem negro fosse abordado de maneira rude pela polícia, do que outrp de pele branca. Em um dia de trabalho, externei minha vontade de fazer determinado corte de cabelo, de prontidão, um colega de trabalho disse que eu despertaria olhares preconceituosos de autoridades.


Meu pai também sempre me orientou a não frequentar a faculdade usando chinelo de dedo, além de ter dito que eu estava parecendo um “desvalido” quando eu voltei de um evento, pois ele acreditava que eu não estava vestido a altura do local. Isso não é sobre meu pai, que pouco entende de moda ou de dandismo, é sobre a construção social.


A todo instante, as pessoas negras têm de estarem “bem vestidas”, e as vezes, até se despir de referências estéticas e autênticas de personalidades negras, seja nacional ou internacional, para se moldar a um padrão imposto pela sociedade, que é pautada por regras e acordos tácitos inseridos por pessoas brancas.


Mas isso ainda se esbate no consumo de marcas por pessoas negras que não tem poder de compra suficiente, e às vezes, acaba gastando metade do seu salário ou até mais, pois se sentem bem usando itens de marca. É o caso dos dândi da periferia de Bacongo, na República Democrática do Congo, conhecidos como sapeurs, que resistem usando seus ternos coloridos de grife, em um local de chão de terra, como um escape da pobreza que os cerca, se tornando parte da cultura local.


Sapeurs são conhecidos por estilo marcante na África | Foto: Reprodução
Sapeurs são conhecidos por estilo marcante na África | Foto: Reprodução

É como se precisássemos a todo tempo, mostrarmos que somos “bons” o suficiente para frequentar determinados lugares, principalmente majoritariamente brancos, pela roupa que vestimos, pela nossa inteligência, entre outros aspectos, e a verdade, é que muitas vezes, mesmo com esforços, não vamos ser aceitos em determinadas situações, pois o preconceito é estrutural, e a nossa cor de pele fala mais alto do qualquer camadas e camadas de peças de uma grife internacional, criada por uma pessoa branca.


A atriz Joey King trouxe cores vibrantes como os sapeurs | Foto: Reprodução/Instagram
A atriz Joey King trouxe cores vibrantes como os sapeurs | Foto: Reprodução/Instagram

Já estas [pessoas brancas] podem estar vestidas da forma mais simples, pois isso, já basta. Ela não precisa provar nada, pois ela já é socialmente aceita, ela não precisa se preocupar em se “vestir bem” o tempo todo, ela não precisa lembrar de levar a carteira de identidade consigo toda vez que sair de casa, pois ela pode ser abordada de forma mais branda ou porque pode ser seguida pelo segurança do shopping.


Artistas brancos usaram peças consideradas mais simples pelas pessoas nas redes sociais | Foto: Reprodução/Instagram
Artistas brancos usaram peças consideradas mais simples pelas pessoas nas redes sociais | Foto: Reprodução/Instagram

Daí entram os looks de artistas brancos no Met Gala, que foram considerados os menos interessantes por diversas pessoas nas redes sociais. Alguns eram mais simples e sóbrios, mesmo que com suntuosidade. No entanto, acredito, isso pode ser visto de outro modo.



Lewis Hamilton foi um dos anfitriões do Met Gala 2025 | Foto: Reprodução/Instagram
Lewis Hamilton foi um dos anfitriões do Met Gala 2025 | Foto: Reprodução/Instagram

Trazendo a perspectiva de apropriação, mencionada no início deste artigo. Mesmo o Met Gala reforçando que o dress code teria que ser feito de acordo com a expressão pessoal de cada um, com a ressalva de respeitar o tema, muitos artistas brancos foram respeitosos ao tema do dandismo e não ultrapassaram a linha tênue entre homenagem e apropriação da cultura negra. Era o momento da família dos 'dândis'negros brilharem.

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